terça-feira, junho 26, 2007

Lady Red Riding Hood

Once upon a time it was not good enough for her. She’s been a grown up for decades and could not stand the tales told from page one. It was always that same old story again and again when everything was not the same anymore and all the characters had been moved, improved. So she decided not to take it one more time.
The Big Bad Wolf had finally found one of his kind to share the woods with him and he could finally make peace with Grandma. Little Red Riding Hood always suffered from the lack of a male authority figure in her life, and now that she was a lady she was finally realizing how bad it was. She’s been told not to do things that she found herself doing later than people could ever imagine, she never understood until now, why and how pleasure was forbidden for her and everybody else. The poisoned apple tale was another one and she made friends with the forbidden parts of herself.
The woman in the forest was learning with her fears, petting the wolf who’d become her best friend. Every twisted way in the dark woods, every time she was afraid, she ran towards the forest to pet that wolf. Facing her fears, she became very similar to him, she understood how overrated evil was and that beast that lived so near was actually a cutie! She developed a sense of tenderness towards her friendly beast. She’d turned the story around.
Heavy expressions on her face, a strong presence, dark and straight fur in her arms and fingers, a certain mystery in her eyes and a strong sense of personality made her a little wolf lady. But all of that stuff without any protection male directions made her sexed up instead of loved up. She never had a father figure to tell her she was his pretty girl, which would have made her feel protected. She never felt protected, so she never knew what to be loved was like. Instead, she kept forcing men out of her life, because she was so independent and friends with her own beast. She made very clear that in case they ever hurt her, she controlled the beast and that the beast attacks under her command. They guys were always very scared of her, also they felt like she didn’t need them, when that was not the whole truth. What was wrong about being strong but sensitive? People didn’t seem to understand that she could be both. That she was strong because she was a survivor, she learned how to take care of herself, but she also wanted a little loving from the external world. She wanted to be appreciated, she wanted to be caressed and hugged and admired and loved, for gods sakes!
She heard a very charming and single prince lived across the country, and she felt very impulsive about going after him, but she stayed quiet. Kind of an animal instinct she was following, like the first times the wolf wanted to attract her to his side... She felt this time had to be different and that their ways had to be crossed somehow, and he needed to show some interest, and he would have to show some effort to be with her, so she could finally feel like a lady.
From that point on, her tale would have to be told differently and maybe even change names to Lady Red Riding Hood, owner of her own fate but still... A girl.

sábado, junho 23, 2007

Quadradinha, seguia.

Era uma pessoa certinha. A sua grande rebeldia contra o mundo era sair de casa sem arrumar a cama. Quando sentia-se muito doida, deixava ainda roupas emboladas na cadeira. Considerava-se uma pessoa aberta, e quando não se interessava pelas pessoas que tentavam conquistá-la, tinha grande consideração em telefonar para dizer os motivos pelos quais não continuaria a conversa. Detestava não amar o próximo, então não ignorava ninguém. Mandava emails explicando suas atitudes, se justificava ao mundo pela sua existência quadradinha. Suas regrinhas eram vestidas de verdades. Era preto no branco dizer as coisas como realmente eram, se fato não fosse de que ela, ao fazer tais exposições, mandava mensagens completamente opostas às que queria. A ‘quadradice’ gerou um código de conduta desconhecido pela maioria, e ela então sofria por incompreensão do meio social. O tiro sempre saía pela culatra, passava por maluca quase sempre e não entendia por que, já que era tão certinha. Não durava muito em grupos porque logo descobria que suas regras não podiam se adaptar à diversidade do meio, mas também não conseguia funcionar sem elas, então ficava segmentada. Apart-aid de si mesma. Alguns caminhos eram apenas trilhados pelo lado branco do seu ser e outros pelo lado negro.
Era a única pessoa que sabia conhecer todas as próprias loucuras e as tinha engarrafadas numa estante, com rótulos e posologia: “usar em caso de...”.
É claro que se sabia louca... Mas era uma loucura bem justificada, bem estruturada entre os porquês. Tinha espaço dentro de si até para o inesperado e hoje em dia até já conseguia se divertir com as surpresas da vida. Estava tendo um momento sublime de viver, se deleitando até nos imprevistos que atingiam o seu dia-a-dia. Aprendeu que não querer ter controle sobre as situações é ter controle de tudo. Conseguiu rotular a liberdade dentro de uma garrafinha. Como a liberdade estava na estante com outros frascos guardados preciosamente, quase não a usava na rua. Apenas dentro de casa, apenas dentro de si mesma ia bem longe. Roupas emboladas na cadeira do quarto, cama desarrumada, sair sem pensar em que roupa vestir, esquecer de levar as coisas que ia precisar durante o dia... A contravenção estava tomando conta do seu ser. Sentia-se bem por estar bagunçada, encontrava uma certa paz em deixar as loucuras na estante e a bagunça na vida. Olhava para o buraco no peito e ria com ele, via através do buraco a cara de espanto das pessoas na rua. Gostava que as pessoas vissem seu coração e costelas. A única garrafinha que estava levando na bolsa agora era a da loucura. No ponto de ônibus, abria o frasco para se perfumar e começava a dançar enquanto esperava. Dançava como se filmada para um vídeo clipe. Caminhava como se o coração ditasse um ritmo. Questionava, no entanto, por que precisava cavar um buraco no peito para que as pessoas vissem seu coração e se valia à pena machucar a si mesma para mostrar a sua verdade aos outros. Não entendia por que as pessoas não conseguiam se ver através dos seus buracos, e ela cruzava com muitas pessoas esburacadas pela rua, agora que usava o seu frasquinho da loucura via muitas coisas. Via-se completamente nua diante do espelho. Estava do avesso. Saiu na rua até com uma blusa que já tinha usado e estava meio amassadinha! E não estava levando nem escova de dentes... E não se importava com isso, apenas ria da sua rebeldia.

quarta-feira, junho 20, 2007

Julio

Nunca imaginou que cortar a cabeça de alguém desse tanto trabalho; nos filmes não escorria tanto sangue. Mas todo o sangue que havia na cabeça escorreu para o chão do quarto, que era pequeno. Era um homem nojento, sua existência era toda nojenta e, sendo o sangue o que dava vida ao corpo, agora encontrava seus pés empapados numa poça interminável de sangue humano e nojento. Não havia previsto isso. Embora fosse, o corpo morto, um pouco mais sagrado do que o humano em vida. Havia ainda um corpo sentado na cadeira do computador. Será que tinha terminado a configuração nova? Ainda bem que sim! Senão ainda teria que fazê-lo.
Mas... O que faria com o corpo? Pensou em procurar na internet como se desfazer do dejeto. Pela primeira vez entendia o corpo como objeto, sem que fosse sexual. Estava com medo de mexer naquilo e mais sangue escorrer do corpo agora. Ficou imóvel, refletindo.
Desde que o conhecera havia detestado tudo sobre aquele homem, especialmente o fato de que namorava a sua mãe e de que tinha um filho pré-adolescente, com quem em muitas coisas se identificava e que o fazia se lembrar de si mesmo com aquela idade. Do filho gostava. Não tinha porque não gostar. Mesmo o pai sendo repugnante, entendia que coisas raras podiam acontecer. E ele era simplesmente detestável. Daqueles que gargalhavam de boca aberta durante o almoço, com a boca cheia, com aquela voz composta por ruídos aos seus ouvidos. Era um homem detestável; falava alto, tinha a pele manchada, cabelos lisos escuros, dentes escuros, uma voz estridente e chata, fumava, bebia, tinha uma existência ridícula e trabalhava com computadores, daquelas pessoas de que ninguém sente falta. Pensou estar fazendo um grande bem à humanidade, e sentiu uma colcha quentinha amansando sua alma. Agora que o sangue do chão estava esfriando, calafrios subiam pelas pernas, e a manta rapidamente se desfez na alma e começou a se sentir incomodado pelo sangue frio ensopando a sua roupa. Precisava agir rápido, mas estava profundamente enojado pelo corpo e pela cabeça do homem. Não tinha a quem pedir ajuda, e carregar um homem que não caminha é muito peso na cruz para apenas uma pessoa em uma vida.
Precisava aproveitar a noite para se desfazer da compania indesejada, mas não tinha tapetes em casa e tapetes também não eram muito criativos, já que todo mundo sempre desconfia quando vê alguém caminhando com um nas costas, apoiado, principalmente durante a madrugada, na zona norte do Rio de Janeiro. Não queria levantar suspeitas, mas não podia fazer nada senão admitir o crime somente para não ter que levantar um dedo para mover aquilo dali. "Deixar a porqueira para que os porcos limpem, já que eles gostam disso."- pensou. Sorriu com o canto da boca e discou 190.

terça-feira, junho 19, 2007

Mulher-sol

Sou um sol. É da minha natureza se doar. Não há vida sem meus raios, não peço licença para entrar e clarear. Não me peça para conter forças. Se há uma planta nascida em descampado que não possa conviver comigo, ela morrerá, porque meus raios iluminam a todos, sem distinção. Mas digo que é preciso haver sombras. É preciso esconder-se nelas em alguns momentos. Não sou para sempre; sou e não sou. Mutável. Vida e noite, morte e dia. É preciso transmutar. É preciso acordar para o sonho e dormir para a vida. É preciso também acordar para a vida e dormir para vir a sonhar. Enquanto metade faz uma parte, a segunda metade faz a outra. Sexo de natureza natural. Mescla-se nos processos do passar das horas, acompanhando o tempo, sendo um ritmo, uma vibração tocada no órgão genital. Há também a generosidade árida da verdade, a autoridade da luz na cara, a verdade que corta, queima e dilata. A verdade dita um rumo, não reflete os ecos. Quem quiser acredita e segue, quem quiser encontra a sua própria. É preciso observar o tamanho das pupilas quando diante de uma verdade, para saber se foi bem ou mal dita. E é preciso haver uma mulher-sol e um homem-lua para que a vida continue ocorrendo, para que o encontro seja de um amor único. O meu doar é espermosgástico. Não existe vida sem o meu prazer e ele é expositivo, explosivo. É através de mim que o universo nasce, se expande, gira, gira, gira, se dilata e morre. É sempre através de mim, do meu entorno. É através dessa vagina que passa a criança escolhida, para ser coroada, imitando o nascimento do universo. São muitas verdades que se mesclam na minha superfície de lava. O movimento é intenso. São milhões de universos e verdades e a criança nem sempre é nascida em carne e osso. Todas as idéias são crianças em potencial; aquela que irá fecundar o cerne de minha fronte será a mais especial, que está em total comunhão com a natureza das coisas do seu mundo e de todos os outros. Assim nascem as pessoas, pequenos sóis em suas órbitas criativas, em milhares de galáxias distintas. Quando tentarem apagar a minha luz, estarão escolhendo a não mais vida. Minha morte significa a morte para todos, de dentro ou de fora da sombra. Não sou uma vela, sou um sol. E precisa de roupa espacial para se aproximar, uma que ainda não inventaram, ou a pessoa precisa ser feita de cinzas. Qualquer outro elemento é consumido instantaneamente. Desconheço meu tamanho, desconheço meus efeitos, não peço licença, não tenho pudores, apenas sol.

segunda-feira, junho 18, 2007

A fortaleza

Eu sou uma árvore e, como tal, as folhas fazem parte de mim. A cada tombo que eu levo, a cada “terra abaixo” não sou eu que caio, são apenas minhas folhas. E fazem pouco estardalhaço, caem graciosamente. Faz tudo parte de um processo natural e é sempre calmo, ondulado e vespertino.
Árvores precisam de espaço. Seus troncos são esbeltos, mas suas raízes percorrem muito chão subterrâneo. Também suas copas tomam céu. As flores nascem e morrem, os frutos procriam e se vão, mas eu continuo o reinado neste pedaço de solo, semelhante às rochas. Não temos muita necessidade de movimento. Somos seres muito humildes. Não precisamos observar as mudanças para aprender com elas porque somos parte delas.
Sorte das formigas que vivem neste banco de madeira em que me sento; elas continuarão vivas. Não posso dizer o mesmo dos mosquitos. Quem mandou nascer cheirando a flor?
Está viva no banco a árvore que lhe deu forma? Formigas são curiosas, querem tatear todo e qualquer corpo estranho. Um tatear de formiga se assemelha a uma gota de suor descendo pelo corpo, de modo que penso logo estar coberta por insetos. Mas é só o suor, ativando os pêlos sensitivos da minha pele. As árvores não se incomodam com esse tatear. Acho que árvores também não suam. Mas mania minha de fincar raízes e ficar imóvel, imitando árvore. Nunca sei se árvore ou gato na toca.

O abraço

Deixe-me envolvê-lo com minha sedução de árvore retorcida, abraçando a sua vontade com minhas raízes secas, sugando sua vida própria com a ponta do meu abraço. Quero fazer você virar solo, virar húmus, virar suprimento para outras árvores e plantas. O meu abraço pode ser seco, mas sinta a umidade abaixo de você. O tronco é apenas uma casca que encobre o decorrer da seiva que me alimenta, e quero ter você dentro de mim, transformar-lhe em seiva. Sou árvore e posso aparentar ser distorcida, mas meu tronco é forte e minha estabilidade impressiona. Nenhuma brisa me causa estarrecimento a não ser na superfície, mas eu danço com meus galhos e folhas, sinto o vento passar por mim, me acarinhando e percebo então todas as outras árvores em volta e percebo também a generosidade do ar quando em movimento. Eu tenho milhões de segredos, um para cada camada de tronco. E a cada ano me aprofundo um centímetro no solo.
Quanto mais a sua consciência se fizer presente à umidade abaixo de você, mais pertencente a ela você será. Deixe-se. Deixe-me ver seu esqueleto sobressaindo à pele, enrugada com o passar do tempo, ver você se assemelhando a mim, descansando eternamente sob a minha proteção. Será então um zumbi que vive entre mundos, nem abaixo da terra, nem acima dela.

quarta-feira, junho 13, 2007

Cristãos e anti-cristãos são irmãos e pagam na mesma moeda.

Eu não gosto de causar polêmica. É apenas uma simples coincidência minhas opiniões serem muitas vezes controversas. Estou com um problema de encaixe aqui, e meu raciocínio precisa ser organizado visualmente pela escrita, então estou raciociando em aberto para quem quiser aproveitar o sumo.
Minha história com a igreja cristã ortodoxa é longa e chata, cheia de decepções. Até mesmo os cristãos ortodoxos, principalmente os mais sensatos e respeitosos à diversidade, sabem dos problemas que a igreja católica quer causar.
Pois bem, aos oito anos não queria fazer catecismo, minha mãe obrigou-me. Como estava morando no Sul e lá a catequese durava apenas 8 meses (contrapondo ao Rio, que eram 2 anos), achei vantagem, já que a obrigação era fato e fiz com as crianças da vizinhança. Eram horas de algazarra com os amigos, amendoins com açúcar e chocolate, jujubas e hóstias não consagradas que o capelão dava pra gente. Não lembro dos ensinamentos.
Logo após a cerimônia, bem na porta da igreja, fui engalbelada por uma das meninas pestinhas, que pediu para eu segurar o cachorro-quente dela. Mesmo sabendo que seria engalbelada, pedi que ela me prometesse não fazer tal coisa, mas ela fez, e depois saiu dando gargalhadas. Enquanto isso, no andar de cima (porque eu era criança e devia bater na cintura da minha mãe), meus pais conversavam com outros adultos e minha mãe só percebeu o ocorrido no momento em que, com muita raiva, eu jogava o cachorro-quente no chão. Na mesma hora, a fúria arrebatadora divina, excepcionalmente cristã, através da mão da minha mãe se fez presente; "Jogando pão no chão, na porta da igreja!! Logo após ter feito a primeira comunhão!! Não pooooode fazer isso, é pecado!!" E tome beliscão. Ódio contido após a primeira comunhão é uma gracinha, faz um bem danado à psiquê.
Depois aos 14, novamente obrigada pela minha mãe, tive que frequentar um grupo jovem da igreja. O nome era Encontro de Adolescentes com Cristo, e isso é um segredo que guardo a sete chaves junto com o fato de eu ter estudado no Colégio Militar, porque me causa vergonha. E porque eu gostava de música e vestia camiseta de banda (na época era uma camisa do BonJovi, mais mela, impossível!) e um boot preto do Shop 126, eu era vista como rebelde pelas pessoas da igreja que convenciam seus jovens de que eu era um mau elemento. Mesmo as meninas do encontro não sendo mais virgens, eu, que era pura e santa, mas rock and roll era vista como filha do anti-cristo.
Eu gostava de vampiros, amava a noite e seus segredos, era uma romântica gotequeeenha, então eles eram apenas pessoas sem criatividade nenhuma e um tanto óbvias para mim. Mas fiz meus amigos, que eram as pessoas que questionavam os mandamentos e que também gostavam mais de música do que de qualquer outra coisa. Aprendi muitas coisas lá relacionadas ao humano; as pessoas eram falsas, gostavam de espalhar boatos e de comentar a respeito dos outros pelas costas, além de não seguir nenhuma das coisas que pregavam. Como eu sempre precisei de verdade, ali foi o despertar de uma consciência de uma necessidade real de um conhecimento que eles não tinham. Aquele lugar era um curral e aquelas eram as ovelhas.
Toda essa introdução para falar que depois de me iniciar em uma Ordem Thelêmica e de ter tido várias experiências místico-mágicas, venho me pensando novamente neste sentido de crença e abordando uma possibilidade estranha. A culpa e a cruz ainda falam muito alto dentro de mim, apesar de não ser o caminho que escolhi seguir, elas ainda me atrapalham bastante e me fazem sofrer quando estou tentando ser feliz. Não é possível ser feliz inteiramente com os ensinamentos cristãos enquanto base. Não nos é permitido.
E eu acredito em gnosticismo, mas não conheço cristãos gnósticos. Acredito que as pessoas podem se tornar deuses, se ouvirem suas vozes interiores procurando torná-las integradas a um ser único que governa todas elas, o deus interior, maior que o ego. Nossa, quando eu disser isso, os ortodoxos vão ficar sedentos por sangue. Porque não só eu acredito ser possível alcançar a divindade em carne, como acredito que o ego deve ser exaltado, ser entendido para ser trabalhado e ser então dignificado como um centro forte de identidade do eu. Só depois disso podemos pensar em abandonar as questões egóicas, mas não antes...
Ainda não sei. Vai ser difícil largar o personagem Satã e abraçar o personagem Cristo, até porque passo longe de querer ou precisar ser mártir. Eu realmente não sou uma pessoa sado-masoquista. Tampouco sou anti-cristã. É muito óbvio que uma corrente e seu oposto nascem do mesmo ponto e têm a mesma origem e meu propósito nunca foi me espelhar em um modelo e ir contra ele. Acontece que as pessoas cristã-católicas que conheci perpetuam a falta de respeito pela crença alheia. Elas são impositivas e agressivas. Aos diferentes chamam de hereges. Não gosto disso.
Por exemplo, eu dava aula de inglês para crianças em uma creche e não podia dizer que era vegetariana, para não disseminar uma crença minha, já que as crianças começaram a repetir para os pais que não mais queriam comer a "cow" e a "chicken". Mas todos os dias antes da janta elas agredeciam pela comida ao papai do céu. (?!)
(talvez continue depois)

quinta-feira, junho 07, 2007

Controle

Primeiro era dor nos pés e nas pernas, um inchaço. Ficou anos assim, até parar completamente de andar. Não aceitava ser independente, queria ter as pessoas todas ao seu redor, mesmo que em volta das suas lamúrias. Agora reclamava de uma dor no rabo. Também, pudera; são mais de vinte anos sentada na mesma cadeira. Desde que me entendo por gente a conheço sentada na mesma poltrona, na mesma sala. Mudaram o chão, a TV, o estofado da cadeira, mas foi o mais longe em mudança que eles conseguiram alcançar. Meu tio tentou ir além com a barriga, ainda não conseguiu romper os próprios limites das entranhas, mas um dia ele conseguirá. Dali, daquele canto, com telefone, ventilador, sua carteira gorda, alguns pórta-retratos e cadernos com milhares de anotações e contas ela comanda a vida das pessoas. Porém nunca sentiu-se satisfeita em controlar apenas a própria família; eram dela também as vidas dos empregados e dos amigos mais necessitados. Por ser viciada em calmantes e remédios para dormir, a única forma de encontrar conforto era fazendo constantes lavagens. Havia uma história de amor sádico com aquele rabo. Ela precisava sujá-lo e lavá-lo constantemente. Se não ia ao banheiro por um dia, apressadamente ingeria um 46, mas ficava com diarréia e então não podia fazer nada da vida a não ser tomar conta do próprio fluxo intestinal reto. Mas ao tomar outro comprimido que prendesse suas emoções a jato, ficava presa, então qual outra solução senão... Lavagem!
Esgotaram-se os recursos persuasivos da família para ajudar a velha. O que ela queria era propriamente não ficar bem, para que todos continuassem ao seu redor, compartilhando dos seus infortúnios. Nem todo o amor do mundo supre a fome de um vampiro, que se alimenta das gotas de sangue. Então era assim: ou era do jeito dela ou ela fazia você ralar e sangrar até estar bem miseravelmente precisando dela. Foram os anos de abandono que sofreu esta viúva, que morreu junto com o marido que fizeram dela uma pessoa tão docemente cruel? A dor não lhe sobe à cabeça, pois ela faz questão de atormentar a todos para sempre. Viverá eternamente a rainha drácula de copas da família Roizental. Ela não sabe o que é amor, não sabe o que é liberdade, tampouco o que é vida e também não quer que ninguém da família descubra.

terça-feira, junho 05, 2007

óvulo não fecundado

óvulo... no meu ouvido sussura o vento. voa... para fora do meu ventre. olho para baixo e vejo o escorrer de mais um mês de vida perdida. mais um plano de sonho não realizado. sangro com todas as dores de uma vida morta. vivo, com todas as dores de uma morte viva. olho para o meio das pernas e sinto a vermelhidão sofreguida que lenta me chama para dentro dela. rasga as paredes do meu útero, arranha como o fantasma do inascido. período que me faz mulher, me lembra mulher. quero voltar a ser menina, mas cedo foi-se a ilusão do abismo como ponto de partida. para baixo, apenas uma queda, pelo menos livre, pronta para o encontro de corpo e chão. para cima o céu aberto. a alma salta a cada tombo, fico menos pertencente a este mundo e faço mais parte de uma camada submersa. como muitos doces, tento suprir a falta. quero ninar o belo, quero ouvi-lo chorar. uma cantiga de ninar para este que se foi, acabo que pego no sono. são oito da noite, então escuto oito badaladas. preciso acordar para a vida. mas meu corpo se nega; ele quer respeito e luto.

sábado, junho 02, 2007

Enjôo de alma na gruta de Perséfone

Transaram. Não havia sido tão bom quanto na imaginação, a preliminar inicial que só acontece na mente de alguém que se prepara para um ato, melhor dizendo, a punheta mental. A mente masturba o corpo até o ponto em que o tesão precisa explodir no plano físico. Era como em um sonho; de repente ela percebera que confundira os planos. Aquele tesão que sentia bem abaixo do umbigo, que lhe queimava a fronte e as partes baixas durante o dia inteiro era um tesão pela vida, projetado nas pessoas. Antes, era um tesão por si mesma, numa constante relação sexual narcisista.

Enfim, já tinha desistido da idéia de experimentar o seu Édipo quando ele manifestou a vontade dele, uma vontade detestavelmente senil, talvez decorrente dos trinta anos de diferença em idade entre eles. Aquela necessidade absoluta de se ter certeza do que se está fazendo, essa mentira constante que insistimos em contar a nós mesmos, mesmo até a qualquer custo, tentando controlar as situações que se apresentam nas nossas vidas num gesto único e desesperado de constatação da total falta de controle. Quando paramos de controlar, deixamos fluir. E como podem, as pessoas deste mundo, simplesmente deixar o fluxo correr? Não podem, não se deixam. Precisam controlar. Mas cansaço. Fizeram o que ela já tinha decidido não fazer. “- Decidimos as coisas para podermos ir contra nós mesmos.” – pensou; “Isto é uma relação neurótica, e quero ser saudável.” Beijou o ombro direito.

Nelson Rodrigues me disse que a nacionalidade brasileira nos faz sobreviver fazendo piadas. Uma condição básica para existir com saúde é saber rir de si próprio. É uma ação permissiva para com o próprio umbigo, se permitindo ir em frente, se atirando nas experiências e, depois, rir com os ratos. “Hum... Que sensação gostosa estou sentindo, bem lá em baixo... Quero ser preenchida por vida, estou preparada, estou molhada e tenra. Vamos lá, vamos ver o que acontece se eu abrir as pernas e me deixar tocar, me deixar ser sorvida, me permitir me doar naquele mel. Eu sou um mel. Doce. Redundantemente doce.”

Assim passava seus dias, a cada momento que parava, queria ser preenchida. Era um tesão na contravenção, e teriam gozado muito mais de seus corpos e de suas presenças se não fosse a inadequação social e todos aqueles problemas de enfrentamento de uma própria limitação psicológica através da sociedade, já que ambos sentiam o mesmo tesão e a mesma tensão. Que relatórios dariam aos olhos curiosos que invadiriam a atmosfera daquela dupla? E ambos sentiam que passariam a dever explicações ao mundo. A falta de liberdade que assola a humanidade por conta do livre arbítrio. Construímos nossas próprias correntes e arrastamos nossas cruzes quando nos encarnamos neste mundo e não temos nenhuma desculpa por escolher a dor ao prazer, já que é sempre uma escolha nossa. Mas é tudo sempre tão interessante. Prazer junto com a dor. Prazer e dor indo e vindo, se misturando, saliva correndo, assim como outros fluídos.

Lençóis bagunçados. Pessoas deitadas uma ao lado da outra, agora nuas, sem moral nem máscaras, apenas montadas em suas inadequações à convivência com tudo o que é humano e que habita em seus corpos. Sem o fogo do espírito, eram apenas duas carcaças podres. Era esse olhar que tinha em seus olhos quando virou para o lado e encontrou uma pessoa não mais interessante. Consumido e exaurido em poucas horas. Os momentos são mesmo muito voláteis! Em dois segundos colados, no primeiro algo existe e, no segundo, não existe mais. E ela sentia-se como uma devoradora de homens, a natureza que realmente tinha e que só podia manifestar secretamente em seus desejos. Devorava os homens com propriedade e suculência. Adorava sorver suas almas naqueles beijos, naqueles gemidos. Uma vez a presa devorada, ela encontrava-se presa a essa realidade, já que uma vez a alma absorvida, a pessoa encontra-se sem vida própria e ela passava a ser responsável por aquele ser inseguro e confuso que se encontrava ao seu lado, dizendo “eu te amo”. Cansaço e agora, um pouco de nojo. Indigestão seria a melhor palavra, pela prática constante da gula do seu apetite sexual, somada à curiosidade. Tem a conta exata das carcaças que existem em putrefação dentro dela. É o que restou daquelas relações e também é o contato com seu próprio esgoto. Não consegue aceitar que, no estágio de idealização e fantasia, o sexo é um contato com os céus e que, depois de consumado, é um contato com seus infernos. Não poderia chegar a nenhuma outra conclusão a não ser a de que ainda era uma romântica, um tanto gótica, mas romântica.
“-Dormir agarradinhos? Você deve estar maluco. Estou indo embora. Não vamos fingir que exista intimidade; eu ainda preciso de um pouco de verdade.” – ela disse. Devolveu a alma a ele, antes que vomitasse todos os anos anteriores. Precisava estar a sós consigo mesma, dentro da sua gruta mágica, escura e silenciosa para reorganizar os mortos.