quinta-feira, novembro 05, 2009

Os moralistas

"De vez em quando eu fico com outras pessoas", disse ele, nos primeiros quinze dias de namoro. Ela parou, pensou. Estava apaixonada, não havia muito o que fazer. Estava disposta a tentar. Se ele de vez em quando ficava com outras pessoas era porque o interesse era natural da espécie humana e isso também podia acontecer com ela, então resolveu apostar no acaso. Se era um "talvez", então tinha chances de nunca acontecer. Ouvia falar das amigas, algumas vezes, que faziam parte de um grupinho fechado da serra. Uma vez ele contou que eles costumavam andar no mato pelados. Um dia, ela foi com ele até a casa de uma delas. Quando a amiga abriu a porta, eles se cumprimentaram com um selinho. "Vou me controlar", pensou ela, que não queria chegar fechando a cara e conseguiu, para a sua surpresa, não dar xiliques nem na hora, nem depois. Convenceu a si mesma de que não ligava, que se ele cumprimentava as amigas com um selinho, então ela também poderia cumprimentar os seus amigos da mesma forma. Ela gostava dele e sempre tentava deixar passar o maior número de detalhes que incomodavam, para não criar atritos desncessários; ela gostava de cuidar da relação. Eles passavam muitos dias separados; ele morava longe e nunca ligava, ela sentia saudades. Ele não acreditava em "saudades" nem em "eu te amo". Ela queria ficar perto, ele queria ficar sozinho e não mandava nem emails. Começaram a discutir. Depois de um certo final de semana se encontraram, e ele contou que entre sete a nove amigas tinha subido a serra para visitá-lo. Passaram a noite fazendo trilhas, bebendo, fumando. Depois, ele disse que tinha passado a noite toda conversando com a mesma amiga do selinho, conversando sobre "a individualidade". Ela fez uma escolha consciente de não perguntar se ele tinha ficado com ela ou com outra, pois se estavam namorando essa pergunta talvez não coubesse e, além disso, achava que se tivesse rolado algo ele fosse contar. Depois, não tinha certeza se estava pronta para ouvir a resposta que não queria ouvir. Calou-se, mas morreu de ciúmes e de raiva. A raiva minou a confiança. Já não conseguia mais pensar que se eles estavam longe era porque estavam ocupados; começou a desconfiar que sempre que estavam longe ele podia estar com outra pessoa. Ele não ligava, não procurava, não mandava emails. E não fazia questão de nada; se ela estava namorando com ele era porque queria, e ponto final. As contas de telefone dela vinham altíssimas, porque ela ligava sempre. Depois que terminaram, ficou sabendo que aquela amiga do selinho, uma menina bonita, rica e destrambelhada havia viajado com ele e que, nessa viagem, eles estavam se pegando. Aí teve certeza: é claro que eles tinham ficado, e acontecera naquela noite das mil e umas mulheres, na visita das tais "amigas". Só não sabia que eles tinham formado um trio: ele, a amiga do selinho e a irmã de uma outra com quem ele também já tinha ficado. Isso era comum dentro daquele grupo. Na visão de vida deles, só existia essa forma de amar; inclusive eles acreditavam que isso sim era liberdade! E moralistas são os outros. Enfim; de tudo o que incomodava a ela era a falta de ética das garotas, que sabiam que ele tinha namorada e não se importaram em passar por cima dela, mesmo sabendo que talvez ela não concordasse. Já que ele se colocava na posição de "não tenho dona", e elas eram amigas dele, acataram. Mas perderam o elo com a irmandade feminina. Ela sabia que isso era comum na casa dos vinte anos (e já tinha até mesmo cometido uns deslizes parecidos) e que, mais tarde, talvez, caso eles tivessem sorte, se dariam conta da merda que estavam fazendo com as próprias vidas e com a dos outros. Palavras-chave: moralismo, ética, liberdade, amor. Se arrependia de um único erro: ter continuado com ele após ter ouvido a primeira frase desse texto.

Um comentário:

Anônimo disse...

Como dizia um velho sabio da montanha: "Amor Livre é desculpa pra putaria. Quer fazer putaria, ao menos seja sincero."