terça-feira, agosto 07, 2007

Meios de mortes

Imagine-se com aquele par de sapatos. Aquele que você gosta muito. Aqueles sapatos de que mais gosta. Agora imagine-se vestida naquela roupa especial, aquela que você sente-se mais confortável, ao mesmo tempo que inventiva e ousada. Agora imagine-se lendo o seu livro preferido, escutando o CD que você mais gosta, sentada na melhor parte da sua casa, aquela que mais gosta quando sente um leve tremor na estrutura do seu prédio. Agora imagine que de sentir o tremor até o momento em que se dá conta de que está viva só teve tempo de sair de casa sem carregar nada e que também não teve tempo para pensar no que salvaria, pois foi tudo tão repentino e rasteiro... E que, agora, de repente, não tem mais nada, pois seu prédio caiu ou sua casa pegou fogo e você é a única coisa que resta das coisas que mais gostava.
Entre todas as coisas que definiam quem você era, só sobrou você.
E agora, como você se sente?

Fico imaginando as pessoas daquele edifício na Barra da Tijuca que caiu... O olhar das pessoas que tinham apartamentos em volta daquele prédio que caiu... Saber que o deles estava intacto enquanto toda uma vida das outras pessoas (fotos, cartas de amor, livros, roupas, móveis, documentos, aparelhos eletrônicos, etc) estava desfeita em meio a escombros. O que aconteceu com essas pessoas? Que visão passaram a ter sobre a vida? Claro que há um leque de possibilidades... Nem todas as pessoas vão querer abrir mão da única coisa que sobrou do que possuíam; as memórias sobre o acidente são o restante de toda uma vida.
Quem são essas pessoas hoje em dia e como se comportam a cada nova conquista? Vibram como se não houvesse nada igual no mundo ou temem como se fossem morrer nova e definitivamente?

Eu não consigo imaginar e temo por elas. Temo os meus temores e temo os temores que inventei agora, imaginando que posso imaginar o que muitas dessas pessoas sentiram. Ainda não foram indenizadas e não há indenização no mundo que pague o que elas passaram. Eu afundaria no buraco mais ainda, porque acho que eu iria caçar o engenheiro responsável e acabaria com a vida dele também. Se eu conseguisse convencer todos os moradores sem teto a cometerem o crime comigo, não estaria sendo em legítima defesa de todo um grupo?
Dizem que vingança não cura feridas, mas tenho certeza de que eu adoraria sentir o sangue dessa pessoa descendo pela minha garganta. Ou não, de tão nojento que deve ser pela consciência pesada que esse cara tem. Temo pelas pessoas. Não pelas pessoas que não têm e nunca tiveram, mas pelas pessoas que tiveram muito e perderam tudo, de uma forma tão bruta e estúpida.
Perder tudo tem mais de um significado para cada pessoa. A cada escolha, a cada passo que damos optamos por uma escolha e não por outra. Perdemos enquanto ganhamos. E quem não consegue escolher? Caminha para frente? Quem não consegue escolher não escolhe com medo de se perder no caminho ou com medo de morrer com a escolha perdida? Quem não escolhe teme não caminhar?
E essas pessoas, que caminharam, caminharam e caminharam mas, mesmo assim, perderam tudo?
O QUE REALMENTE IMPORTA NAS CONQUISTAS E
QUE CONQUISTAS REALMENTE IMPORTAM?

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