Estar cercado por terra que se conhece, chão que já se caminhou; sabe-se onde são os buracos, sabe-se onde os frutos são tenros, sabe-se por onde passam os rios, sabe-se onde estão as cavernas. Proteger o território que se conhece de aventureiros exploradores, mas baixar a guarda, abrindo as portas do castelo, estendendo o tapete vermelho aos visitantes voluntariamente oferecendo banquete, banho e estadia aqueles que chegam cansados querendo repouso. Essa é minha idéia de aconchego: a maneira de se tratar um igual, ombro a ombro num reino gentil. Essa é a forma masculina de acolher. Não é?
Aqui em casa sempre tive a impressão de estar cercada por nobres cavaleiros; a mesma formalidade ao sentar-se à mesa, uma hierarquia formal e intelectual, boa educação e boa comida, como se estivéssemos nos tempos de uma nobreza caída, a que partiu em retirada aos confins da terra, reclusa ao próprio corpo sem indicação do caráter límpido e do sangue puro que corre nas veias, impossibilitados de mostrar as riquezas interiores pela aridez do arredor. Morando em um casebre castelal, sobrenobre nome, sangue azul, com a polidez fria e estética libriana num cordial "recebemos vocês de braços abertos, mas fiquem atentos às normas de beleza da casa".
Me comporto com medo de quem vai cruzar o portal. Em alerta, a lança permanece ao lado do corpo; sempre preparada a defender a terra, senão amada, ao menos conhecida.
E a necessidade de deixar a todos confortáveis é um reflexo de não se estar confortável. Se obsessivamente preciso entreter e saciar, tenso fica o ambiente em que não se pode simplesmente fluir. Confortável é cada um poder se mexer à vontade, naturalmente.
Mas para a estética dos olhos e da alma isso não funciona, é preciso que haja movimentos milimetricamente calculados; a coreografia só funciona se todos souberem os passos e estiverem exaustivamente ensaiados, já que as pontas precisam estar SEMPRE controladas. Assim são as festas. O improviso apenas ocorre nas batalhas. Onde se instala o caos: quando um plano invade o outro. A batalha é constante.
Não sei se é fruto do ambiente friamente perfeccionista da criação, não se poder relaxar enquanto há alguém preocupado em resolver algo que falta, que sai à moldura do ideal, que perturba o imaginário da cena mais agradável possível em termos sensoriais. Alguém por trás dos panos manipulando as energias que aparecem lindas, alguém que recolhe o lixo, alguém que nunca pára porque exerce todas as funções ao mesmo tempo, pensando antecipadamente ao que pode se seguir.
De alguma forma sinto saudades ou falta de uma doçura que não consigo expressar mas que existe, internamente, algo semelhante à sedução infantil de agradar de forma natural, expressão livre da minha alma que costumava trazer doce os olhares gentis e curiosos, flutuantes ao meu redor. Já não sou a promessa do paraíso ao qual todos temos direito, tampouco um enigma. Todas as cartas estão tão bizarramente abertas sobre a mesa que chega a ser esquisito para quem olha.
Não sei que tipo de jogo se forma com as cartas que eu tenho nas mãos. Não sei se é uma mão cheia ou se é blefe; não sei se sei jogar. Também não sei se quero aprender. De alguma forma eu abro as cartas para tentar me libertar para uma outra situação em outro lugar, mas estando dentro do jogo, é uma auto-sabotagem. Eu não gosto de jogar mas não consigo parar de brincar, porém nunca consigo ganhar. Se ao menos eu me divertisse.
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