quarta-feira, janeiro 17, 2007

CÁUSTICA

Até um tempo atrás eu fazia depilação com cera, daquelas que puxam e arrancam a alma e eu só me sentia limpa, inteira e bonita quando passava por isso. Somente quando estivesse completamente sem pêlos, e para isso precisava haver uma coordenação no tempo do crescer entre pêlos das pernas, virilha e axila, eu estava pronta para ir ao mundo. Para enfrentá-lo.
Aos poucos fui abandonando a prática. A pele foi ficando cada vez mais flácida e eu nunca consegui me acostumar com a dor. Parecia demais, tudo aquilo só pela beleza. Minto; pela confiança que vinha da satisfação de estar limpa. Mas limpa de quÊ? Da vergonha que era ser uma mulher branca, bem branca, mas com pêlos escuros.
Hoje não mais participo desses rituais masoquistas, diminuí tudo quanto podia. Meus aparelhos domésticos me servem bem, e a todos os meus segredos. Coisas que fui aprendendo durante o caminhar e acoplando às minhas práticas de beleza. Tipo: a utilidade que tem esses aparelhinhos que cortam o mal pela raiz e a precisão rente de uma máquina de cabelo para acabamento. Hoje não preciso mais usar camisetas com mangas para esconder os pêlos do sovaco. Nem usar óculos escuros por causa das sobrancelhas crescentes, ou calças compridas por causa das pernas peludas. Hoje, já não deixo mais de ir à praia pela virilha desfeita, mas sim pelas celulites. Há todo um upgrade das situações. E, com relação à minha apresentação pessoal, estou satisfeita, no que concerne meus cuidados comigo mesma.
Eu não havia percebido e nem corri atrás para aprender, foram simplesmente coisas que foram acontecendo, aparecendo, eu que eu fui testando e foram dando certo. Quando percebi, milhões de pessoas faziam o mesmo e só eu não sabia que era comum, tão comum.
Assim penso que eu devo relaxar quanto as questões da minha vida. O que não sei sentir hoje, aos poucos vou sentindo e, quando perceber, já terei sabido o que senti por todo o percurso, mas que hoje, não consigo perceber. O que não consigo compor hoje, quando perceber, será uma sinfonia. Quando eu relaxar e parar de querer ter controle sobre as situações, parar de querer agir para fazer as coisas acontecerem, a vida pode dar uma guinada e, quando eu perceber, vamos estar lá na frente juntas, de mãos dadas.
Eu estou tentando alcançar algo além da superficialidade, ainda não estou satisfeita. Parece que, mesmo através das palavras, não consigo descrever nada além do que emerge para a borda.
Mas, quem sabe eu consigo, a qualquer momento.
Ir tocando aqui, ali, e quando perceber, estar fazendo um concerto ao ar livre, no pôr do sol, para uma multidão de 100.000 pessoas.
Quem diria que tudo começou com extração de pêlos.
O mal pela raiz.

4 comentários:

Anônimo disse...

mal pela raiz

Anônimo disse...

O que não sei sentir hoje, aos poucos vou sentindo e, quando perceber, já terei sabido o que senti por todo o percurso, mas que hoje, não consigo perceber.

Alê , ai eu encontro o eco de suas emoções em mim.

Anônimo disse...

Agora sou uma branca, flácida, recalcada e peluda!

Anônimo disse...

estamos vestidos de alma...o resto vai cair em todo mundo...preservar a natureza etérea do ser, é a única coisa que pode, eu disse "pode" evoluir, o abstrato de nossas idéias, emoções e o amor incondicional da unidade imaterial...quem viver a morte verá...vc é linda , inteligente e sexy acima da média sua monkgirl..bassteachercampolina