sábado, janeiro 12, 2008

A substituta da noiva

Estavam todos apressados com a cerimônia, mas não sabia exatamente com o quê se preocupavam, já que estava tudo pronto. A família perambulava de um lado para o outro, certificando-se de que os convidados estavam presentes e bem arranjados, de que o fotógrafo estava a postos e de que o bufê estaria servindo as bebidas assim que acabasse a cerimônia.
Enquanto isso, eu caminhava de um lado para o outro. Fui até o jardim; era um fim de tarde agradável, numa casa interessante feita toda de pedras e com um deck que dava para uma piscina pequena, porém muito aconchegante, e nas paredes de pedras cresciam flores coloridas. Eu já estava pronta, me divertindo com aquele longo e rodado vestido branco, com aplicações em prata e luvas brancas de cetim, observando tudo à distância. Estava sentindo o perfume das flores quando meu querido veio até mim; não o noivo, mas um dos padrinhos, por quem eu estava apaixonada. E nos apertamos um contra o outro, nos inflamando em um beijo ardente. Como conhecíamos várias pessoas da festa e eu estava trabalhando, não queríamos chamar muita atenção. Afinal, eu estava prestes a representar o papel da noiva em um casamento e ele era um dos padrinhos. Seria muito estranho se as pessoas nos vissem juntos. Mas a sensação de estarmos nos escondendo era muito excitante.

Era sim totalmente natural ter sido paga para substituir a noiva que não poderia estar presente no próprio casamento devido ao trabalho dela. Era uma profissão até comum naqueles dias.
Eu estava um pouco ansiosa, pois apesar de ser uma gig como qualquer outra, era a minha primeira vez de substituta da noiva. E como eu nunca havia me casado antes, eu estava nervosa. Tínhamos ensaiado, mas de qualquer forma era apenas uma encenação, e eu tentava não pensar na hora do beijo. Tinha que ser natural, afinal ficaria eternizado nas fotos. Era um casamento, mais tradicional impossível.
No entanto a ansiedade me trazia uma sede enorme, o que sorrateiramente me levava até os pró-secos geladinhos que suavam no balcão da cozinha e que estavam logo ali, tão perto da minha boca, mas toda vez que eu me aproximava era interrompida pela mãe da noiva original e não podia beber, porque ela ficava me seguindo, não deixando eu aproveitar nem uma gotinha antes da festa. Aparentemente, o destino daquela bebida era mais importante que a vontade da noiva do casamento que ela mesma havia organizado; fiquei pensando se não tratava da mesma forma a própria filha. Me senti uma mera contratada, mesmo que para o papel principal do casamento. Depois pensei se não tinha sido esse o real motivo da ausência da noiva. A mãe.
O grande terror de ser paga para fazer qualquer trabalho é ter o prazer interrompido em nome do contrato.
Duas casas depois daquela havia um anfiteatro chiquérrimo no qual aconteceria também um casamento. Daí, depois da cerimônia que tinha sido paga para estar presente, corri até lá para espiar. Era uma super-produção: meia luz, convidados sentavam-se na platéia e orquestra, noivos, padrinhos e padre ficavam no palco. A decoração era feita com voal em dourado pendurados que rebaixavam o teto, e tudo de muito bom gosto, inclusive os arranjos de flores. Como eu estava vestida de noiva, não podia ficar à vista, caso contrário poderia roubar a cena dos participantes reais. E eu não queria isso, queria apenas poder observar uma linda cerimônia de verdade, tão rara naqueles dias.
Acordei com a sensação do vestido branco, naquelas cenas agoniadas de vestido esvoaçantem e mulher correndo com a maquiagem borrada. Tudo muito lindo.

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