Estou dentro de um caixão que é laranja, e é movido para cima e para baixo com energia elétrica. Confiamos demais naqueles cabos. Aperto o botão do primeiro andar. Me olho no espelho e vejo minha melhor amiga e minha pior inimiga, dentro dos meus olhos. A primeira jura que me ama e amará até a morte; a outra, desacredita. E dessa luta, nasce a criatura ensangüentada. Para viver melhor, acreditamos no amor das pessoas que nos cercam. E então percebo que estou sozinha. Não há ninguém ao meu redor. As pessoas que vivem na minha cabeça: confio demais nelas. Na vida prática, cedo ou tarde o ferrão encontra a pele, e me machucam. Ainda não aprendi a depurar o veneno que percorre o corpo através do sangue, atingindo partes que eu nem sabia que existiam. O veneno me ensina a profundidade do meu ser. Ainda não aprendi a achar bonita essa ramificação. [Ninguém pode nos dar aquilo que não temos. Ninguém confiante aparece para derramar em nós um pouquinho da sua confiança. Mas é muito provável que todas as pessoas que você conhece testarão a sua, porque as pessoas são sempre espelhos.] E assim vai o veneno da destruição, capilar após capilar, contaminando todas as células do corpo. Então acordo para o que há de mais real na vida: a dor, a solidão. Fico íntegra, me sinto indivíduo, não nego. Mas percebo a falta de controle em mim, no mundo. Colocamos tantas coisas importantes nas mãos de outros; nossa vida, por exemplo. Todos os dias, nos atos mais simples, nas coisas mais banais, nas mãos de médicos, de motoristas... E confiamos que tudo vai dar certo, que o amor existe em algum lugar, e que vamos chegar lá. Confiamos nos apertos de mão e nos beijos na bochecha que cumprimentam. Confiamos nos sorrisos. Pelo menos, eu sempre confiei. Até perceber como eu lido com as "quebras de contrato". Quando eu amo, não consigo ter armas de defesa. Mas se eu me defendo o tempo todo, não dá tempo -nem espaço- de amar.
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