quinta-feira, novembro 02, 2006

A cultura do "pacote"

Nossa comida vem embalada. Lacrada, vedada. Vácuo. Sem bactérias, sem prejuízos.
Nosso corpo vem embalado. Fechadinho. Meias, calças, botas, cuecas, calcinhas.
O sangue fica fechado dentro das veias. O cérebro fica fechado dentro do crânio.
A pele envolve o corpo e os músculos envolvem os ossos. Tudo está fechado.
Eu não consigo respirar fundo por muito tempo; eu esqueço. Eu não consigo ficar parada por muito tempo, eu me coço, eu me dôo. (===> eu quero um verbo que supra o sentido de "me doer", mas ele não existe, então peguei um emprestado e coloquei esse significado.)
Tudo vem dentro de alguma coisa.
Frases vêm dentro de um contexto, palavras vêm dentro de uma frase, letras vêm dentro das palavras, sons acompanham as letras...
- Felicidade para mim é querer ter o que eu não tenho.
Qualquer coisa que eu imagine e que não seja este exato momento presente é querer algo que não é, que não está, que não tenho, etc.
Este momento presente é tudo. Mas quando me concentro nele, ele é vazio. Então eu quero preenchê-lo, e penso no "com quê"? Aí quero um monte de coisas que não tenho, pensando que a felicidade só pode ser alcançada quando eu tiver tudo aquilo. E quando eu chegar lá, o que mais eu vou querer? E o que eu vou arrumar para não conseguir ser feliz?
Falta um amor, falta liberdade, falta uma casa só minha, falta um trabalho que me pague o que eu valho, falta uma vida! Falta, falta, falta, mas tá tudo por aí, espalhado. O que falta na verdade? Não falta vergonha na cara, não falta vontade, não falta esforço e também não falta pergunta.
rs
A cultura dos pacotes e embalagens dificulta o que as pessoas mais precisam. O coração não quer ficar fechado num embrulho bem bonito. O coração quer ser usado. O coração não é um presente para ser dado e permanecer fechado. O coração quer ser usado.

2 comentários:

Anônimo disse...

Engraçado, quando eu li isso me lembrei de algo da minha adolescência.

Qaundo meu avô era vivo, eu costumava ir para a casa dele em Campos do Jordão. A cidade era grande, mas a casa ficava numa área afastada. Eu e minha irmã costumávamos pegar o carro e subir para uma área livre no alto de um pico. Aí a gente deitava no capô e ficávamos vendo o céu cheio de estrelas, como não existe mais na cidade. Sem uma palavra, só sentindo o momento.

Saudades desses tempos.

Ah srta, seu coração VAI ser usado, tenho certeza quem em breve vai aparecer alguém digno de sse amor imenso que vc guarda dentro de si.

Beijos.

Urania disse...

it's not just MY heart that needs to be used

big mistake of humanity
trying to use the head mostly