quinta-feira, junho 07, 2007

Controle

Primeiro era dor nos pés e nas pernas, um inchaço. Ficou anos assim, até parar completamente de andar. Não aceitava ser independente, queria ter as pessoas todas ao seu redor, mesmo que em volta das suas lamúrias. Agora reclamava de uma dor no rabo. Também, pudera; são mais de vinte anos sentada na mesma cadeira. Desde que me entendo por gente a conheço sentada na mesma poltrona, na mesma sala. Mudaram o chão, a TV, o estofado da cadeira, mas foi o mais longe em mudança que eles conseguiram alcançar. Meu tio tentou ir além com a barriga, ainda não conseguiu romper os próprios limites das entranhas, mas um dia ele conseguirá. Dali, daquele canto, com telefone, ventilador, sua carteira gorda, alguns pórta-retratos e cadernos com milhares de anotações e contas ela comanda a vida das pessoas. Porém nunca sentiu-se satisfeita em controlar apenas a própria família; eram dela também as vidas dos empregados e dos amigos mais necessitados. Por ser viciada em calmantes e remédios para dormir, a única forma de encontrar conforto era fazendo constantes lavagens. Havia uma história de amor sádico com aquele rabo. Ela precisava sujá-lo e lavá-lo constantemente. Se não ia ao banheiro por um dia, apressadamente ingeria um 46, mas ficava com diarréia e então não podia fazer nada da vida a não ser tomar conta do próprio fluxo intestinal reto. Mas ao tomar outro comprimido que prendesse suas emoções a jato, ficava presa, então qual outra solução senão... Lavagem!
Esgotaram-se os recursos persuasivos da família para ajudar a velha. O que ela queria era propriamente não ficar bem, para que todos continuassem ao seu redor, compartilhando dos seus infortúnios. Nem todo o amor do mundo supre a fome de um vampiro, que se alimenta das gotas de sangue. Então era assim: ou era do jeito dela ou ela fazia você ralar e sangrar até estar bem miseravelmente precisando dela. Foram os anos de abandono que sofreu esta viúva, que morreu junto com o marido que fizeram dela uma pessoa tão docemente cruel? A dor não lhe sobe à cabeça, pois ela faz questão de atormentar a todos para sempre. Viverá eternamente a rainha drácula de copas da família Roizental. Ela não sabe o que é amor, não sabe o que é liberdade, tampouco o que é vida e também não quer que ninguém da família descubra.

Um comentário:

Anônimo disse...

Quem acha que as pessoas feitas "de farinha e leite" não são normais, não tem "alma", por achar que se elas ficam mais "na delas" a respeito de algumas coisas, é porque julga ter o privilégio de normal ser apenas aquilo que ela mesma considera. Quem está de bem consigo não tem necessidade de mostrar nada a ninguém.