quinta-feira, maio 28, 2009

Cartas

Ficou pesado demais; o fluxo, as veias quase entupindo, o coração tardando em bater e, depois, batendo depressa demais. Não sei que fim tiveram o meu passaporte e os meus dólares, alguém pegou, acho, muito movimento em casa no último ano, obras, mudanças, etc. Enfim... Estavam guardados e sumiram. Mais de uma coisa sumiu. O meu livro de Saturno, da Liz Greene, também sumiu. Logo Saturno, que quer ser encontrado, sumiu. Procurando por eles, achei o meu número do PIS, coisa que nem em sonho eu pensaria em ter e que também estava precisando e, no processo, parei tudo para fuçar quatro pastinhas nas quais eu guardava cartinhas escritas a mim durante toda a vida; cartões de natal, de aniversário, bilhetinhos de escola e cartinhas de amor. E foi uma semana de poucas esperanças para mim, até bater de cara com essas mensagens do passado. Eu suguei para dentro de mim todo o conteúdo feliz, desejado, todo o amor que as pessoas me desejavam e sentiam por mim; todos os elogios, todas as felicidades, todas as coisas boas e rasguei em pedacinhos quase todas as representações dessas coisas na sua parte material, e depois, joguei fora. Guardava muito e queria guardar tudo, cada momento, cada lembrancinha. Senti um certo poder; rasguei as cartas de amor eterno, embora eu tenha ficado com o amor e a dedicação que foram usados no momento de escrita daquelas cartas. Rasguei as felicitações carinhosas de pessoas que jamais me esqueceram, e continuaram me enviando, ano após ano, cartões de aniversário e natal. Tem gente que realmente nunca se esquece. E foi tão interessante essa viagem. Foi tão bonita. Eu vi que também as pessoas vêem em mim a sua melhor parte, uma parte com a qual não têm muito contato, e que conseguiram, mesmo que brevemente, ver o fantástico de cada uma delas. Elas, então, acharam que eu era maravilhosa quando, em verdade, eram elas mesmas. Fiquei feliz. Muito amor as pessoas vinham me mandando todo esse tempo, e que eu estava deixando de lado; existem pessoas que são leais a você, mesmo estando afastadas. Existem outras que eu jamais imaginei que fosse encontrar uma carta delas ali, pessoas apaixonadas por mim, se declarando, mas falando coisas interessantes e bonitas (não só as óbvias e cafonas, muito pelo contrário), gente que se abriu, por algum momento e resolveu expor os sentimentos para mim. Gente que se pesquisou, se questionou, gente que se viu sem medo. Talvez, naqueles momentos, tenham sido péssimos momentos, mas espero ter tratado a maior parte dessas pessoas com carinho, como tento fazer hoje em dia. Retribuir ao máximo todas essas coisas boas que recebo, sendo generosa. Sim, rasguei as cartas mas não as pessoas, e joguei fora o peso do papel, e guardei apenas aqueles sentimentos bonitos, etéreos, leves. E aprendi hoje, muito! Porque li cartinhas que escrevi quando era pequena e tinha oito anos (e foi minha primeira experiência -- e fortíssima para oito anos -- de coração partido) e a carta que escrevi para lidar com isso, que nunca entreguei... Me mostrando uma pequena escorpiana, menina, já furiosa e cheia de rancores. E muita vontade de abraçar a mim mesma, por achar aquilo uma graça. Meu primeiro amor... E todos os outros que vieram depois. Não necessariamente apenas namorados, mas amigos também, por quem já fui apaixonada no sentido de grudar e andar pra cima e pra baixo, sem parar. Viver, sonhar e respirar aquelas amizades, morrer e ser transformada por elas e, é claro, transformar também. Fiquei tão orgulhosa de ter a maior parte daquelas pessoas por perto, ainda que longe, e de saber que sempre caminharão comigo por onde eu for. E de passar a saber que, quando pensarem em mim, pensarão em bons momentos, pensarão com saudades e com amor. Achei isso tão bonito, tão simbólico. Não sou apenas uma bruxa feia; também sou uma bruxa bonita. Isso vale muito mais do que os dólares que eu perdi.

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