sexta-feira, maio 11, 2007

O caminho do sol - I

Para ser, é preciso primeiro “nasSER”. Mas não basta nascer para ser. Depois, é preciso crescer. Então, nossos pais vão colocando várias camadas educacionais sobre nós, outras vamos desenvolvendo por uma necessidade básica de proteção e vamos acumulando cultura: pensamento judaico-cristão, time de futebol, capitalismo, televisão, etc, achando que por começarmos a definir nossos gostos estamos desenvolvendo um senso de personalidade. A personalidade é mais uma camada que exteriorizamos para o mundo ver o nosso mundo. É um problema de título. A fachada define a pessoa pelo corpo físico como um título chamativo atrai as pessoas para um livro ou filme. E quem tem necessidade de ter várias facetas fisicamente, se enfeitando com piercings ou tatuagens em apenas um lado do corpo tem um problema de indecisão: quer ter mais de um título, o que é até mais natural e saudável do que adotar um título só e mantê-lo até o final da vida, mas enfim: eu queria escrever sobre o nosso desleixo, para com nós mesmos. Quem é que pode dizer que nasceu pronto? Quem diz ser, de primeira, sem tentativa, sem acerto nem erro não nasceu sendo, mas nasceu mentiroso. Estava pensando no caminho que fiz até hoje para conseguir ser. Quantas voltas dei, quantas descidas ao meu inferno fiz, quantas idas e vindas por ter esquecido de levar detalhes importantes? Eu não acredito então que possa ser mais fácil para os outros. Acredito que possa haver pessoas desinteressadas. Mas eu quero ser criativa, dona de mim mesma e por isso estou tentando me definir a partir do meu olhar sobre mim, desprovida de camadas. Eu quero SER, na totalidade. Acredito haver pessoas que compram máscaras prontas, existem tantas, que acabam acreditando em algumas, nas que mais usam. Na máscara de mãe, de filho, de profissional, de simpáticos, de “easy-going” ou o oposto, de ranzinzas, etc.
É possível ser sem a persona? Pessoa em português vem do latim persona. Persona em latim não é pessoa, é máscara. Podemos ser pessoa sem usar máscaras? Ou seu uso é mandatório, para a lida social? Quem olhar no meu rosto, sem máscara, verá um vazio? Não escutará um eco? Pior, verá o monstro desconhecido que é a si próprio sem um espelho? Não se sabe pois não nos permitimos andar por aí nus. Nus que eu digo não é estar desprovido de roupa. As pessoas peladas que pousam para as revistas estão sem roupa, mas não estão nuas.Vestiram a couraça. Andar nu é amoral. As pessoas só conhecem moral ou imoral. E o imoral hoje é ousado. A moral é careta, o amoral é inconsciente. Ninguém conhece. Já que ninguém conhece e eu sou ousada, resolvi fazer do amoral a minha moral. E ir me desnudando. Mas a pressão é incrível; é quase impossível me desfazer das camadas postas em cima do meu ser. Eu tento, dia após dia, mas o universo das camadas não é simples. Não ache que, depois de conseguir retirar uma camada será uma a menos. Não é assim que funciona. O universo das camadas não é linear nem cartesiano. Uma camada que tiro num dia, no outro está mais forte. Para cada camada que retiro, surgem 3 novas: é um trabalho do cão. Por isso, quem resolve fazer esse caminho subverte valores e se identifica com as trevas, porque você lida com luz e sombra o tempo todo. Diferente do conceito barroco de almejar a redenção e viver no pecado. Como eu disse, aqui no universo do SER não existe moral, portanto, não existe pecado. Existe sim um almejar a divindade e sentir-se demônio, denso. Mas não existe distância entre anjos e demônios, nem entre pessoas e deuses. Está tudo bem próximo. Podem até ser camadas de outra natureza, camadas extra-fisicas, camadas astrais estas, de nos tornamos deuses, devido à proximidade de naturezas entre espírito e matéria.
Firme e forte, mesmo que a alma sangre, é o desejo do espírito estar nu. E se não fosse pela filosofia cristã, arraigada a algumas camadas do nosso “ser- brasileiro”, teríamos prazer ao nos desnudar ao invés de sofrermos.
Pensem: é uma coisa mesmo imposta. A gente não sabe nem falar quando decidem por nós. Jogam uma água na nossa cabeça, falam umas palavras furadas e pronto: estamos batizados. Talvez agora façamos parte de uma coisa que não seja da nossa natureza.
Não era da minha natureza, então não demorou muito para eu virar a casaca e querer destruir o criador. Enquanto os outros do mundo lhe acusam de anti-cristo, você recebe o segredo da vida do universo e a chave para a primeira porta. Não é bem estranho? Mas é assim que acontece. Por isso a gente sabe quem já passou da primeira porta. Quem já passou reconhece os outros, já que a primeira porta é o seu corpo. Não é que nem virgindade, a densidade do ser fica diferente, você inverte o prisma de visão. E há uma abertura na pessoa, uma necessidade de conhecer e experimentar, uma abertura para o novo, o diferente. Há uma tolerância maior também para o que não é você e um maior interesse em conhecer o além de você que é, na verdade, o outro como ele verdadeiramente é.
O caminho com luz não é necessariamente o caminho do bem nem o caminho iluminado, e você aprende isso. E Lúcifer não é o pai das trevas, já que ele é a própria luz em si. Sempre desconfie da história que contam. No dicionário de latim, é esse o significado da palavra e eu gosto de procurar a origem das coisas. Entender de onde vêm os movimentos.

Um comentário:

Natacha disse...

Tão complicada uma coisa que no fundo é tão simples!

Existem várias coisas no texto que eu concordo.
O problema é que a reconstrução que fazemos do nosso ser psicossocial ainda é a partir do próprio ponto de vista do ego.
Precisamos do alter para que haja em nós o encontro eu-eu novo.
Por isso vejo o outro como a um espelho.
É psicanalítco-religioso este trabalho!